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É muito comum em conversas informais se ouvir alguém dizer coisa como “Nossa, horário de verão é o Ó” expressando seu desagrado com o fato de ter que ajustar seus relógios e mudar sua rotina de sono. Este aqui é um exemplo fácil, mas isso ocorre com uma freqüência assustadora pra um preciosista como eu.
A ultra popular expressão em sua versão mais coloquial é nada menos que uma forma breve de dizer o ó do borogodó. Trata-se de uma expressão relativamente antiga muito comum entre nordestinos e de algum tempo para cá vem perdendo seu significado original.
Embora a banda Rumbora não tenha tido tanta influência na cultura popular, é possível que o autor tenha contribuído com essa perda de significado pois em uma das músicas mais conhecidas da banda que leva a expressão como título ele utiliza-se dela em sentidos bem distintos:
“Eu te disse que ela é doida , indigesta
O Ó do Borogodó
Olho pra ela, viro pergo, tremo, viro pó
E ainda piora tentar fingir ser o maneiro…“
e
“Essa menina é
Ó do Borogodó
Me deixa doido, alucinado
Um mané di dar dó…”
Vasculhando a internet sobre o assunto encontrei um Blog (Daniel Santana) em que o autor dá uma interpretação ao meu ver bastante pessoal e incorrendo em um equívoco similar ao mencionado acima.
Segundo o Dicionário Michaelis em sua versão on-line no Uol (http://bit.ly/aslVBX) o verbete é apresentado assim:
borogodó
sm pop Atrativo físico muito peculiar.
Ora, o “ó” do borogodó é a vogal tônica. Trata-se então de uma singularidade, um valor extra entre os demais “o” da palavra.
Confirmando o registro léxico acima (minha querida Nerd amiga @flavialabanca não gosta desses formalismos meus) encontrei outro Blog (Estranho Mundo de Lena) em que a autora da uma descrição bem interessante:
“Que me desculpem os belos, mas BOROGODÓ é fundamental. Sim, Vinícius estava errado quando falou que era a beleza. Ele ainda não conhecia o borogodó. Fenômeno interessante que acontece com alguns mortais que não nasceram com o padrão estético vigente, mas são dotados de um brilho que chama a atenção de qualquer um…”
Ainda nessa linha uma outra autora (Rosa Pena) traz uma explicação referenciando um equivalente em Inglês.
“Lembrei-me da Cris, minha querida amiga portuguesa, que andou questionando o que seria borogodó.
Esse termo é que nem saudade, sem tradução. Tem que sentir para entender.
Quem tem it não precisa ser uma Brastemp pra gente jurar que a pessoa é maravilhosa. São os portadores de um brilho bonito no olhar, possuem sensibilidade para ouvir os outros, um sorriso que desencana qualquer grilo, um jeito de mexer as mãos como se quisessem acariciar nosso rosto e a gentileza de oferecer a cadeira da frente pro mais baixo…” (Rosa Pena in “Ter ou não ter borogodó“, Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.)
Então se borogodó refere-se, popularmente, a um atrativo físico (ou de personalidade) peculiar como em “repare no borogodó dessa moça“, a expressão “o ó do borogodó” refere-se ao detalhe mais precioso, superlativo do mencionado atributo peculiar.
Como se pode notar utiliza-se largamente e de modo equivocado essa forma reduzida em sentido oposto, relacionando o tal “ó” a um certo orifício da anatomia humana por alguma e, assim em sentido pejorativo. Não é tão difícil entender esse fenômeno e sua popularização se o associarmos ao crescimento das redes sociais e à inclusão digital.
Estes dois últimos fatores, inclusive, são responsáveis pelo que eu considero mais uma atrocidade que se comete largamente com a Língua Portuguesa e, pior ainda, com a história de um dos maiores e mais respeitados lexicógrafos do país, Aurélio Buarque de Hollanda. A notícia de uma nova edição mais “tecnológica” causou-me algum estarrecimento pela inclusão de termos que não são originários de nossa língua e contribuem para um empobrecimento cada vez maior, também impulsionado pela Inclusão Digital e popularização das Redes Sociais.
Nada contra esses fenômenos. Mas isto é assunto pra outro texto aqui no LB&A.
Divulgue essa informação e favoreça a sobrevida da língua portuguesa.